"O amor, o conhecimento e o trabalho, são fontes de nossas vidas. Deveriam também governá-los". - Wilhelm Reich







quarta-feira, 10 de março de 2010

Wilhelm Reich

REICH: TEORIA DA VIDA E TEORIA DO CONHECIMENTO (1)


Ao longo de sua obra, Wilhelm Reich (1897-1957) estabeleceu interfaces com várias áreas do conhecimento: Sexologia, Psicanálise, Epistemologia, Pedagogia, Sociologia, Biologia, Física, Meteorologia. Mais do que um adepto do ecletismo, ele se dedicou especialmente a investigar, em diversos campos, as manifestações de um singular processo energético. Na maturidade de seu trabalho o autor comentou que havia se dedicado "ao campo da Psiquiatria como um cientista natural. Esse interesse foi ditado, em primeiro lugar, pela questão da energia. Já era assim em 1919”.(2)

Em 1919, quando ainda cursava medicina na Universidade de Viena, Reich deu início às suas pesquisas. A “energética” e os fundamentos epistemológicos da produção científica são os temas que inauguraram sua obra e acabaram norteando toda sua produção. O jovem universitário suspeitava “que a energia funciona ANTES de qualquer massa; que não é a matéria, mas sim, a energia que é primária; que a massa precisa ser derivada, de alguma forma, da energia”.(3) Apaixonado, também, por Biologia, ele colocava a si mesmo, todo o tempo, a intrigante questão “o que é a vida?”. No decorrer de seus diversificados estudos extracurriculares, identificou-se com concepções filosóficas que se recusavam a assemelhar o funcionamento do vivo ao das máquinas e simpatizou com teorias que especulavam sobre uma energia biológica específica; acreditava, no entanto, que tais formulações precisavam alcançar status científico-natural. Convicto que a elaboração científica é indissociável da crítica epistemológica, ele adotou, desde o início de suas investigações, uma diretriz professada pelo filósofo Henri Bergson: teoria da vida e teoria do conhecimento são “inseparáveis uma da outra”.(4)
Formalmente aceito, em 1920, como membro da Sociedade Psicanalítica, Reich, por quatorze anos, procurou extrair conseqüências teóricas, clínicas, pedagógicas e políticas da teoria freudiana da libido. Empreendendo, no âmbito do movimento psicanalítico, uma série de pesquisas originais, ele elaborou, no período 1922-1926, a teoria da “potência orgástica”, teoria essa que se tornou o eixo de sua obra: “potência orgástica é a capacidade de se entregar ao fluxo da energia biológica, sem quaisquer inibições; a capacidade de descarregar completamente, por meio de convulsões involuntárias e prazerosas do corpo, a excitação sexual acumulada”.(5)

Entre 1927 e 1934, Reich desenvolveu uma nova metodologia terapêutica (a Análise do Caráter) e procurou, também, estabelecer conexões entre Psicanálise e Marxismo. Apoiando-se na concepção freudiana de sexualidade, na noção de potência orgástica e, também, no materialismo histórico e dialético de Marx e Engels, o autor agregou esse arsenal teórico-epistemológico a um convívio direto e intenso com a população economicamente desfavorecida. Atuando inicialmente em Viena (1927-1930) e depois em Berlim (1930-1933), ele se esforçou em demonstrar, por meio de publicações e de um amplo trabalho social, que política e sexualidade são domínios mutuamente dependentes.

Expulso, em 1933, do Partido Comunista e excluído, no ano seguinte, da Sociedade Psicanalítica, Reich, ameaçado pelo nazismo, procurou guarida em vários locais e acabou se exilando, em 1934, na Noruega. Nesse país, sua pesquisa pôde alcançar dimensão laboratorial. Ingressando no campo da Biofísica, o autor investigou o “comportamento” de correntes bio-elétricas que se movem coligadas aos estados emocionais do indivíduo; realizando experimentos na área da Biogênese, identificou vesículas que expressam estágios intermediários entre o inorgânico e o orgânico. Além de ampliar sua metodologia terapêutica (em 1935 surge a Vegetoterapia Caractero-Analítica) e aprimorar seus estudos sobre a lógica que rege o funcionamento do vivo, Reich detectou, em 1939, uma energia que atua em estratos biológicos profundos. Logo em seguida seus experimentos levaram-no a crer que aquela singular energia, inicialmente observada em seres vivos, fazia-se presente, também, na atmosfera. Nomeou, então, essa força básica como “energia orgone cósmica” e fundou um novo ramo de pesquisas, a Orgonomia.

Vivendo nos EUA desde 1939, Reich dedicou-se, por quase duas décadas, a realizar criteriosos experimentos e a descrever, em vasta literatura técnica, as manifestações da energia orgone nos domínios do vivo e do não-vivo, no micro e macrocosmos; preocupou-se, igualmente, em mapear a específica dinâmica dos fenômenos orgonóticos e em integrar Orgonomia e Matemática. Suas pesquisas conduziram-no, em seu período norte-americano, a áreas tão distintas como a Oncologia e a Meteorologia, posto que certas disfunções da energia orgone podem ser observadas, no entendimento do autor, tanto no câncer quanto nos processos de desertificação do planeta. Embrenhando-se em diversos campos de estudos (Física-Orgone, Biofísica-Orgone, Orgonoterapia, Pedagogia Orgonômica, Orgonometria), o pesquisador continuou, no entanto, denunciando os sistemas ideológicos que negam a vida e anestesiam, desde a infância, as capacidades críticas e as forças emocionais-sexuais.

Sistematicamente monitorado pelo Federal Bureau of Investigation e, desde o final da década de 1940, vítima de calúnias publicadas na imprensa e em revistas científicas, Reich passou a ser investigado, também, por outro órgão governamental, a Food and Drug Administration. Nos anos 50 o cientista acompanhou de perto a paranóica era macartista, além de se ver envolvido em um intrincado processo judicial, que resultou em sua prisão em 1957. Nesse mesmo ano ele faleceu, vítima de ataque cardíaco, em um presídio norte-americano.

Meio século se passaram desde a morte de Reich, mas ainda são poucos os estudos que procederam a uma reavaliação criteriosa de sua obra. Esse fato chama atenção, pois a pesquisa reichiana oferece, a nosso ver, ferramentas ímpares para refletirmos sobre nossa explosiva crise social e seus concomitantes problemas éticos e ecológicos.


1- Artigo publicado no Jornal da Unesp, Junho/2007– Ano XXI – nº 223. Também disponível em http://www.unesp.br/aci/jornal/223/supled.php
2- REICH, W. Man’s roots in nature. Orgonomic Functionalism: A journal devoted to the work of Wilhelm Reich, Rangeley, Maine, v.2, 1990.

3- REICH, W. Orgonomic functionalism in non-living nature. Orgonomic Functionalism: A journal devoted to the work of Wilhelm Reich, Rangeley, Maine, v.6, 1996.

4- Bergson, H. L’evolution créatrice. In: Henri Bergson - Oeuvres. Paris: Presses Universitaires de France, 1984.

5- REICH, W. The function of the orgasm: Volume 1 of the discovery of the orgone — Sex-economic problems of biological energy. Great Britain: Condor Book, 1989.



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