"O amor, o conhecimento e o trabalho, são fontes de nossas vidas. Deveriam também governá-los". - Wilhelm Reich







quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Dona Madonna Foi à Terapia.

Primeiramente este artigo que escrevi foi exclusivo para ser anexado no trabalho monográfico inspirado na nossa cantora Favorita Madonna, meu amigo Élcio Ribeiro Filho, que em breve se tornará o mais incrível Estilista e Designer de Moda do Brasil.
Obrigada por vc existir em minha vida e também salvar minha sanidade em não vender ou doar um par de botas de salto anabela comprada em Madri. rs.
Te adoro! 


Dona Madonna Foi à Terapeuta.

Uma senhora muito bem arrumada, delicadamente perfumada e ornamentada de jóias, senta na sala de espera e folheia uma revista de moda. Não tira seus óculos, por mais que a sala esteja vazia, mas não quer ser reconhecida pelo último paciente que a psicóloga está atendendo.

Faltam apenas 10 minutos para entrar em cena, mas parece uma eternidade. Desiste da revista, estala os dedos, aquece as mãos alisando no vestido, olha um quadro abstrato na sala que não parece vir nada á cabeça com aquela imagem sem graça. Está com sede, mas nem se atreve em pegar um copo plástico e encher de água no bebedouro. Bate os sapatos no chão e olha mais uma vez para o relógio.

A terapeuta abre a porta, observa a senhora sentada a sua espera, sorri cautelosamente e volta a falar com o paciente que está na despedida.

A doutora abre a porta do consultório e convida a próspera paciente a caminhar para dentro dele e sentar-se em uma poltrona confortável. A terapeuta oferece um café e está por sua vez, aceita.

Tirando os óculos e, olhando fixamente para a terapeuta achando que esta vai tomar um susto, pois, MADONNA está sem sua sala, mas não, ela senta, toma seu café e inclina-se calmamente para a paciente e pergunta: “Que ventos a trazem aqui, senhora Madonna?”.

E Madonna fala!

Fala, fala, fala, fala, fala, fala sem parar tudo o que a gente já sabe!

Mãe, Pai, infância, adolescência, idade adulta, namorados, maridos, filhos, carreira, medos, enxaquecas, religião, envelhecimento etc.

A terapeuta olha para o relógio na parede e a paciente percebe que depois de tanta “tagarelagem” tem pouco tempo para uma resposta sobre sua personalidade impulsiva e dramática.

Ela pergunta se há outro paciente depois dela. A terapeuta diz que não.

“Ótimo! Tenho então mais 1 hora com você!” – diz ela com um sorriso de alívio.

E torna a falar.

Enquanto a terapeuta observa seus movimentos, sua fala acelerada e seu olhar fixo nela como se assim que terminar de falar, a terapeuta finalmente lhe dará uma “pílula” que solucionará todos os seus conflitos.

Mas terapia não é assim. Como é uma paciente que voltará quando lhe der na telha, vai ter de ser um parecer preciso e que não deixe perguntas soltas sem respostas diretas e confiáveis.

Ao fim de seu monólogo, Madonna diz a seguinte pergunta: “E aí? O que você acha?”

A terapeuta respira fundo, recosta em sua poltrona, toma mais um gole de café, levanta os olhos para aquela mulher que está a sua frente com 52 anos cheia de “por quês”, querendo respostas rápidas e que a deixem dormir mais tranqüila durante as madrugadas quando chega em casa depois de exaustivos espetáculos, jantares, viagens e festas.

Ela sabe que a terapeuta não pode fazer com que as respostas sejam completas naquela única sessão que extrapolou o tempo. Ela sabe que deverá vir mais vezes, mas seu tempo, ah, seu tempo que não existe muito e que fica sem respirar quando pensar que precisa descansar, mas sua mente nem quer saber disso e seu corpo reclama e seus pensamentos pipocam de questões.

Vamos tentar entender quem é esta senhora que foi à terapia em busca de respostas para perguntas antigas e futuras.

Madonna, de acordo com o psicólogo, psiquiatra e sexólogo Wilhelm Reich (1896-1957) o ser humano não deve ser identificado por rótulos, como Sigmund Freud( 1856-1939) trabalhou durante anos em suas análises e pesquisas. Avaliando cautelosamente a vida da paciente durante a infância, adolescência e fase adulta, ela tem traços de histeria, pois sua busca por aprovações, conquistas sexuais e discursos chocantes, oscilações de humor, medo da solidão, traumas em pontos diferentes de fases da vida, ela vive sempre em busca de algo que ela acredita que seja o melhor, mas no fundo não é exatamente o que deseja e o que acredita que possa ser seu futuro ao fim da vida.

Ela busca experiências religiosas, práticas sexuais diferentes e mais apreciativas (mas para quem?), avaliação de comportamento de quem vai se unir á sua trupe, aquele que sabe enfrentar obstáculos como ela enfrenta que tem a mesma sede e garra para vencer barreiras sociais e familiares, um bem estar para si e para os outros a sua volta. Proporcionar prazer da maneira melhor possível e que lhe convém sem machucar ao outro.

Essa busca lhe fere muitas vezes, inclusive quando se fala do pai ou da mãe e as expectativas de ser igual ou talvez melhor do que a mãe dela foi um dia.

A aprovação do pai sempre foi um alvo muito importante, mas ela quase nunca acertava o que deveria fazer para conseguir com que este pai se orgulhasse dela. Ora como criança, enfrentava com escândalos e situação tempestuosa ora com oferecimento de dinheiro ou algo para suprir a necessidade financeira. Essa filha não sabe o que fazer para agradar ao pai, porque esta não consegue ter um diálogo procurando a melhor solução para ganhar a atenção que na sua via de desejo é o ideal.

Essa busca nunca cessa. Assim como as questões do por que o falecimento precoce da mãe e suas práticas religiosas severas.

O desejo de ser melhor que seus pais para com a educação de seus filhos, a busca pela correção de seus erros que não apareçam no meio familiar, que seja encoberto para que ela não tenha que dar explicações e se envergonhar.

Os inúmeros namoros, flertes e casamentos que não tiveram um final muito feliz. A busca da perfeição, o carinho máximo e o prazer entre as partes onde se pode ver ternura e paixão. Freud nos diz que buscamos o espelho que temos dentro de nossas casas e, não deixo de discordar de tal frase. Madonna buscou muito nos relacionamentos, homens e mulheres, aquilo que ela não podia ter em casa, mas também procurou traços de personalidades destes que ela queria, aja a vista que ela não podia ter sexualmente e sentimentalmente falando. Ou seja, procurou homens e mulheres severos, autoritários, sérios, com instintos maternos e paternos mais salientes que os dos pais.

Seu primeiro casamento foi alvo de muitas especulações e questões relacionadas a agressões físicas e psicológicas, neste caso, por mais que o amor valesse a pena, nunca era o bastante e mascarado pelo ato de possessão, ou seja, o ciúme do marido era como se ela fosse propriedade única dele e por esse motivo que ele, por ter também um histórico familiar conturbado, se encaixava no sentido de buscar aquilo que nunca tinha em suas famílias, amor incondicional e pleno.

Após a separação, muitas situações em que foram especuladas de dietas drásticas, visitas constantes a hospital e shows cancelados, devido sua estafa mental e sua desestruturação física.

Tempos se passaram e os relacionamentos continuaram, eram homens e mulheres, mais velhos, mais novos, introvertidos, brigões, autoritários, obsessivos e escandalosos, sempre.

Nunca havia uma situação em que seus relacionamentos não tivessem um momento de paz, ora por ela não aceitar a clausura do parceiro ou por seu trabalho exigir tanto, nunca era aceita a visão de que ela poderia trabalhar menos, sempre buscando o melhor e a perfeição no corpo e no amor. Vide também que o nascimento de sua filha foi de um relacionamento com alguém mais novo, de nível inferior ao dela, não tanto conturbado, mas infelizmente não foi adiante, e isso acabou indo a juízo pelas poucas condições financeiras do pai. A causa foi a favor da mãe.

Seu segundo casamento veio proveniente de uma segunda gravidez, um relacionamento que parecia tranqüilo, um homem estável, de bom comportamento e nada de situações doentias. Um homem também mais novo do que ela. O casamento durou bastante, mas infelizmente teve seu fim e não por problemas de convivência, mas por falta dela. Ajustaram as contas em juízo e cada um foi para seu local familiar e com guarda compartilhada das crianças, até por que após o nascimento do segundo filho, ela entrou com um processo de adoção junto ao esposo, sobre um caso de uma criança africana.

Em meio a separação e a criação dos filhos, as especulações de marketing e problemas sociais afetaram Madonna, devido as acusações também de adotar uma criança negra e pobre seria para beneficiar ainda mais sua carreira profissional. O que sabemos que ela não tem necessidade de se promover com uma situação tão delicada como essa.

Outra criança foi adotada, outra menina africana e seus relacionamentos voltaram a decolar, sempre nesta busca da maternidade e paternidade ideal que ela classifica para si.

É uma mulher sozinha interiormente, sempre ativa para não cair na insanidade. À medida que a idade avançou esta por sua vez tranqüilizou escândalos, vida social e amorosa, talvez para preservação dos filhos. Algo a se pensar o porquê sua vida acalmou.

A religião também é um ponto intrigante, aja a vista de ela tinha uma educação rígida e que a abandonou na adolescência. Após anos nesta busca de um deus que ela compreenda e lhe fala as graças alcançadas fluírem, ela conheceu a Cabala. Mesmo que esta obsessão foi durante um período bastante importante e até crítico para a sua carreira, os olhos foram se abrindo e não mais a “gana” de estar sempre ali foi esvanecendo.

Hoje, ela continuar buscando respostas, muitas foram esclarecidas e outras esquecidas sem importância no passado, pois o futuro é incerto até mesmo para esta mulher que durante anos buscou a visão mais ampla das palavras que sempre pairavam em sua vida: amor, sexo, religião e afeto familiar.



quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Perversão X Parafilia


Ao longo da história, a medicina procurou estabelecer quais comportamentos são considerados normais e quais não são, inclusive as práticas sexuais. Esses parâmetros médicos mudam através dos tempos, ou seja, tanto pode ocorrer que uma prática sexual que antes era considerada pela medicina como desviante da norma, seja hoje aceita como normal, como o que era visto como normal, passe a ser encarado como desviante.
Há um livro de 1886 - Psychopathia Sexualis, onde o autor Krafft-Ebing, médico e neurologista alemão, considerava como perversa toda ativação do instinto sexual que não correspondesse à voltada à reprodução e que haveria transtorno quando o comportamento sexual fosse excessivo e perigoso para o indivíduo, ou quando o impulso sexual se tornasse excessivo, exclusivo e causasse sofrimento. Essa idéia perdura até os dias atuais, com a diferença que a medicina não chama mais de perversão os comportamentos sexuais que fogem à norma (se considerarmos norma o ato sexual voltado à reprodução) e sim parafilia (DSM-IV, 1994) ou transtorno de preferência sexual (CID X, 1993).

 
Neste Artigo:
- Contextualização Histórica
- Perversão para Freud
- Alternativa de Tratamento

"Este artigo pretende ampliar a discussão a respeito do que pode ser considerado normal enquanto manifestação do comportamento sexual humano e o que é o patológico, ou seja, as perversões sexuais propriamente ditas. Para isso, será tomado um vértice psicanalítico na compreensão da temática".

Contextualização Histórica

Inicialmente, vale considerar que, até meados do século XIX, as teorias sexuais não eram temáticas muito abordadas em discussões científicas. Entretanto, no final daquele século, inúmeros autores começaram a formular estudos científicos sobre distúrbios de comportamento e perversões sexuais. Como bem descreveu Valas, atos considerados como "monstruosos" passaram a ser objetos de estudos científicos.
O mesmo autor citou que muitos cientistas passaram a estudar as características médico-biologicistas, a hereditariedade e a natureza dos fenômenos perversos.
Todavia, foi apenas com a teoria evolucionista sobre a sexualidade humana que a perversão passou a ser mais bem compreendida, vista como um fenômeno com causas psicológicas. Segundo a psicanalista Elisabeth Roudinesco, o termo perversão é derivado do Latim pervertere e designa as práticas sexuais consideradas desviantes da norma sexual e social.

Perversão para Freud

No ano de 1905, Sigmund Freud publicou os "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", artigo esse que revolucionou a compreensão dos fenômenos sexuais dos homens e que, evidentemente, abordou a temática das perversões sexuais. No primeiro ensaio do livro, Freud considerou os vários desvios existentes quanto ao objeto sexual e, também, quanto a finalidade sexual, descrevendo os processos psicológicos das chamadas "aberrações sexuais".
O que realmente foi esclarecido na obra freudiana, foi o aspecto de que um comportamento sexual pode ser considerado como perverso se caracterizar uma fixação absoluta no desenvolvimento sexual humano. Nas palavras de Valas (1990: 28): "... Só se pode distinguir a perversão da normalidade porque a perversão se caracteriza por uma fixação prevalente, até mesmo total, do desvio quanto ao objeto, e pela exclusividade da prática quanto ao desvio com relação ao objetivo".
Ao referir-se à pulsão sexual, Freud (1905), advertiu que esta é formada por inúmeros componentes, as "pulsões parciais", ligados a diferentes órgãos do corpo, as "zonas erógenas". Contudo, o psicanalista esclareceu que a disposição perversa é parte da constituição normal de todas as pessoas. Ainda na mesma obra, ele considerou que a sexualidade infantil apresenta uma tendência perverso-polimorfa que é auto-erótica, mas não pode ser entendida como uma perversão sexual propriamente dita.
A célebre frase de Freud: "a neurose é o negativo da perversão", também merece um comentário para maior esclarecimento. Embora existam muitos componentes parciais da pulsão sexual, como já foi apontado, eles não podem ser considerados como perversão da sexualidade. A tendência neurótica é a manutenção de alguns desses componentes, substituindo-se, assim, uma possível fixação em uma única prática sexual. Considerando-se esses fatores, pode-se dizer que as fantasias inconscientes dos neuróticos se assemelham às atitudes conscientes das pessoas perversas, ou sejam uma é o negativo da outra.
Na opinião do psicanalista Armando Colognese Júnior, professor do Departamento de Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae: "A perversão é um componente sexual infantil que não sofreu repressão e que não foi modificado pelos diques naturais, permanecendo, na vida adulta, como algo do infantil".
Ao comentar as perversões, em outro momento de seu artigo, o professor do Seminário sobre Perversões, afirmou (1996: 124): "Penso que podemos utilizar o achado clínico de Freud, como indicativo de que a perversão (pelo menos a sadomasoquista) possa ser utilizada como defesa, ou recurso defensivo, frente a situações bastantes conflitivas, como as edípicas".
Toda a discussão sobre as perversões sexuais, sua etiologia e componentes psíquicos, continua presente em toda a obra de Sigmund Freud. Contudo, no ano de 1924, Freud escreveu um artigo onde questiona-se sobre como alguém pode ter prazer através da dor, fato característico do masoquista. Para ele, há um sentimento de culpa inconsciente, nos masoquistas, como se o sujeito tivesse cometido um crime (edípico) e por essa razão devesse ser punido, ou seja, haveria uma "necessidade de castigo". O prazer nessa perversão sexual está em punir um desejo edípico.
Concluindo, Armando Colognese acrescentou, ao comentar as perversões sexuais nos dias de hoje, que a perversão deve ser "um modo de excitação de forma exclusiva", e salientou o mecanismo de defesa da "recusa da realidade", típico dos perversos.
Novamente, de acordo com as palavras de Roudinesco (1998: 586): "O aparecimento do termo parafilia no DSM III (Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais III), restringiu o campo das anomalias e desvios a práticas sexuais coercitivas e fetichistas, baseadas na ausência de qualquer parceiro humano livre e anuente". Convém destacar que o termo parafilia vem substituir a idéia de perversão sexual, na literatura médica-psiquiátrica, na década de 80.
De acordo com as idéias de Kaplan, Sadock e Grebb: "Parafilias são transtornos sexuais caracterizados por fantasias sexuais especializadas e intensas necessidades e práticas que, em geral, são de natureza repetitiva e angustiam a pessoa. A fantasia especial, com seus componentes conscientes e inconscientes, constitui o elemento patognomônico, sendo a excitação sexual e o orgasmo fenômenos associados".
Segundo o DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais - IV), as principais parafilias são: exibicionismo, fetichismo, frotteurismo, pedofilia, masoquismo sexual, voyeurismo, fetichismo transvéstico, zoofilia, e necrofilia. Não é a intenção deste artigo descrevê-las, ou mesmo, abordá-las separadamente. Mais uma vez, segundo o Compêndio de Psiquiatria, acima citado: "Entre os casos legalmente identificados de parafilias, a pedofilia é, de longe, a mais comum. Dez a 20% de todas as crianças já foram molestadas, ao atingirem dezoito anos".
Para a psiquiatra argentina Raquel Soifer, a incidência de "desvios da libido" (termo aplicado no lugar de perversões sexuais) é pequena, nas crianças. A ocorrência passa a aumentar a partir da puberdade. "Consideramos que, na infância e até na adolescência, não é adequado chamar estas condutas sexuais de perversões, porquanto esta designação implica a organização definida de tal estrutura psicopatológica, o que, por certo, não se aplica a uma personalidade em formação e suscetível de modificações evolutivas. Propomos, conseqüentemente, que sejam denominadas de desvios da libido".
A psiquiatra e psicanalista argentina, ao comentar sobre as fantasias presentes nas perversões dos adultos e nos desvios da libido, nas crianças, numa visão psicanalista dos fatos, explicou (1992: 371): "Dado que a fonte destas fantasias reside no complexo de Édipo - precoce ou tardio, positivo ou negativo -, as pulsões que as integram são, concomitantemente, narcisistas e incestuosas. As pulsões incestuosas põem intensidade na fantasia, enquanto que as pulsões narcisistas, que procuram igualar o objeto com o sujeito, outorgando-lhe rigidez".
Gabbard explica que uma ampla variedade de comportamentos sexuais foram sendo aceitos pelos casais dito "normais", com o passar dos anos, referindo-se às relações orogenitais e às anais. Para o autor (1998: 221), "um indivíduo é perverso apenas quando o ato erótico é utilizado para evitar um relacionamento emocionalmente íntimo a longo prazo com outra pessoa". O psiquiatra explicou, ainda, que não há razões claras e específicas para que um indivíduo dê preferência por uma fantasia ou um ato perverso em relação aos outros e, também, que vários atos perversos podem aparecer concomitantemente numa mesma pessoa. Numa abordagem psicodinâmica, qualquer pessoa envolvida numa atividade sexual tida como perversa, deve ser compreendida de maneira global, tomando-se por base, também, a sua estrutura de caráter. Assim, a compreensão de um ato sexual perverso pode apresentar diferenças de um neurótico para um psicótico ou esquizofrênico.

Alternativa de Tratamento

Para Kaplan, Sadock e Grebb (1997 : 640): "A psicoterapia permite que o indivíduo recupere sua auto-estima e melhore suas habilidades interpessoais, encontrando métodos aceitáveis de gratificação sexual". Para os autores, os pacientes têm a oportunidade de compreenderem melhor a sua dinâmica e os motivos que despertaram as parafilias.
Em relação ao tratamento de pacientes com parafilias, para Gabbard (1998: 227): "Os pacientes com parafilias são notoriamente difíceis de tratar". O psiquiatra questiona o motivo de alguém querer parar uma atividade sexual que gera prazer. "A maior parte das perversões é ego-sintônica; apenas alguns pacientes que sofrem com seus sintomas buscam tratamento por vontade própria", salientou.
Para Gabbard, a maioria dos parafílicos vai para o tratamento sobre pressão, não de forma espontânea. Para o autor, "apesar de todas as dificuldades no tratamento das parafilias, as abordagens psicodinâmicas são geralmente consideradas um componente importante de qualquer tratamento".
Em relação às medicações, o psiquiatra concorda que elas são uma forma de terapêutica bastante difundida. Entretanto, apresentam muitas desvantagens, como os "sérios efeitos colaterais, a não aceitação do tratamento, pelos pacientes e, ainda, a diminuição do instinto sexual em algumas pessoas, devido à 'redução dos níveis plasmáticos de testosterona'".
Segundo o médico (1998: 227): "Entretanto, a psicoterapia de orientação dinâmica associada a medicações antiandrógenas pode aumentar a aceitação da medicação e diminuir a taxa de abandono" (do tratamento). O autor apontou para um consenso de que os tratamentos isolados são ineficientes e para a necessidade de adaptação da terapêutica para cada paciente.
Consideradas todas essas opiniões, parece não restar dúvidas sobre a necessidade de uma abordagem psicoterápica, seja ela em que abordagem for, para o tratamento das chamadas perversões sexuais. Ressaltamos, porém, a boa indicação dos recursos da clínica psicanalítica para compreensão da dinâmica psicológica envolvida (fantasias inconscientes) na formação e na manutenção dos sintomas de atividades sexuais de caráter exclusivo, tidas como perversas.

Referências Bibliográficas

1- VALAS, P. Freud e a perversão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
2- ROUDINESCO, E. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
3- COLOGNESE, A. O conceito de sadismo e masoquismo na obra de Freud. Boletim Formação em Psicanálise - Ano V, Volume V - n.º 1 - 1996.
4- FREUD, S. O problema econômico do masoquismo. Rio de janeiro: Imago. Vol. XIX - Obras Completas, 1976.
5- KAPLAN, H; SADOCK, B; GREBB, J. Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
6- SOIFER, R. Psiquiatria Infantil Operativa - 3ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
7- GABBARD, G. Psiquiatria Psicodinâmica - 2ª Edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
8- FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria sexual. Rio de janeiro: Imago. Vol. VI - Obras Completas, 1976.










quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Podolatria



Observamos que os estudos mais contundentes e efetivamente importantes sobre fetichismo em suas várias formas deram-se nos últimos anos do século XIII : inicialmente o psicólogo criador dos testes de QI, Alfred Binet ( Le Fetichisme dans L`Amour - 1887 ) utilizou o termo "fetichismo" no contexto conhecido hoje, paralelamente à publicação em 1886 do livro Psychopathia Sexualis do neurologista alemão Richard von Krafft-Ebbing, que lançou os termos sadismo e masoquismo. Tudo posteriormente coroado pela obra do médico Sigmund Freud, com a criação da sua monumental teoria psicanalítica.Tivemos algumas incorporações às idéias originais, porém o que efetivamente chamamos hoje de fetichismo não sofreu alteração durante esse um século que nos separa dessas definições.

Por outro lado, a sociedade alterou-se profundamente : a célula mater da sociedade, a família, sofreu mudanças profundas na sua apresentação e formato ; novas formas de comunicação - principalmente o hiperespaço e a cybercultura - apresentaram-se e em curto período de tempo implantaram-se indelevelmente nesta mesma sociedade já rofundamente alterada.

Mas... o que modernizou-se ao falarmos de "fetiche" ? Vemos o mesmo enfoque vitoriano ao tratarmos do presente assunto. O mesmo olhar enviesado, o mesmo "não importar-se"... E o fetiche - e várias de suas implicações - entrou aos poucos no mundo social, principalmente pela porta "fashion", apresentando-se, pela mão de artistas inovadores, em toda sua pujança. O couro incorporou-se definitivamente, o formato sadomasoquista passou a frequentar as casas, as ruas, as escolas e as festas, os outdoor... Mas ainda se fala em voz baixa sobre o amor aos pés.

Em pesquisa pessoal efetuada no ambiente da internet brasileira, catalogamos cerca de cinco mil e-mails cadastrados em listas específicas para tratar do assunto podolatria. Deixamos na presente pesquisa de contar os acessos brasileiros a listas em outras línguas, em número também significativo em relação aos demais fetichistas relacionados.

Observamos porém não estar em igual situação a quantidade de páginas e sites dedicados ao assunto podolatria. Enquanto que em primeira instância - busca utilizando apenas o termo chave - foram detectadas cerca de seiscentas páginas fetichistas ligadas a BDSM, conseguimos efetuar um levantamento de 130 páginas sobre podolatria, muitas das quais indisponíveis, ou apenas internas de outros sites BDSM.

Os números não acompanham o crescente universo de podólatras... o que justifica isso ?

Levantamos várias hipóteses, a principal das quais descrevemos a seguir :

O podólatra é em geral alguém que tem profundo "pejo" de seu fetiche; é alguém que apesar de saber de seus fortes desejos internos, os considera "errados", "infantis", e os oculta até de si mesmo. O libertar-se desse "medo" é demorado, em geral doloroso e assustador ( como, aliás, mudar qualquer paradigma social ). Na cabeça do podólatra, encontrar uma parceira que compreenda, e goste do mesmo que ele é algo próximo de uma missão impossível. Portanto, sua "tara" deve ficar sempre oculta... não se manifestar jamais. Isso implica em não procurar seus pares, em não se expor, não dizer suas preferências e desejos, e deixar de usufruir seu prazer, enfim.

Junte-se a isso o pavor de ser confundido com outros fetichistas : uma vez que o ato da podolatria em geral é confundido - e inúmeras vezes mesclado - com a submissão dos adeptos de BDSM ( e a grande maioria observada dos podólatras não é adepta de tais práticas ), torna-se "difícil" aceitar-se como podólatra, pois esse termo traz aos "leigos" toda uma carga próxima das práticas sadomasoquistas. É digno de nota a referência em diversas situações de podólatras confessos dizerem : "mas não sou submisso, não. Só gosto de pezinhos".

Contrariamente ao costumeiramente dito nas listas de discussão - de que a adoração aos pés femininos estar ligada a atos de submissão - verificamos existir vários indivíduos Dominadores no meio BDSM com preferência confessa por pés femininos.

Notamos ainda dificuldades várias para os iniciantes aproximarem-se - e conseqüentemente adentrarem sem maiores percalços - do universo fetichista podólatra. Os termos usados pelos frequentadores de listas e chats é em geral em inglês, dificultando ainda mais o acesso àquele indivíduo não familiarizado a tais termos. Até pela situação detectada e exposta acima, os podólatras quase não trocam informações entre si. Ao "iniciante" - e mesmo ao não tão iniciante assim - é dificultado até o acesso a seus próprios pares (aqueles que detém a informação), e deixam de repartí-la. Mais uma vez, e também nesse ambiente que deveria ser exclusivamente dedicado ao prazer, detectamos que "Informação é poder".

Se a quantidade - e a qualidade - dos sites de imagens - particularmente fotografias - de pés femininos é grande, o mesmo não ocorre com artigos sobre o fetiche, bem como com pés masculinos. Não encontramos sites que consolidem adequadamente várias informações sobre as práticas que envolvem o fetiche podólatra.

Temos, porém, uma boa quantidade de relatos sobre o que representa individualmente o fetiche, e dentre esses relatos é grande a colocação de que o fetiche proveio da infância, ou pré-adolescência.

Mas, mesmo com as ponderações acima, ainda não conseguimos identificar totalmente o que "cala" virtualmente os podólatras. Não no ambiente virtual, pois ao pesquisar-se o efeito, descobre-se a causa. A resposta estava fora.

Ao buscarmos literatura que trate do fetiche "podolatria", defrontamo-nos com material mais escasso do que os estudos voltados às parafilias em geral. De texto base, dentre autores "consagrados" e tidos como válidos para uma pesquisa científica, localizamos em alemão um livro de FREUD, e pequenas inserções em outros livros (ver bibliografia), e então somente literatura de relatos, em geral em primeira pessoa.

A partir dessa busca do embasamento teórico baseado em pesquisa bibliográfica, começamos a verificar tratar-se de um "anel de moebius" : não existe literatura apropriada porque ninguém escreve - pois pressupõe-se que alguém escreva sobre o que conhece, e o assumir-se fetichista "em geral" não é bem quisto no meio científico - , e ninguém escreve porque não existe literatura apropriada para embasamento teórico... A solução encontrada foi a de escrever relatos de experiência - em geral própria - , esses sim inquestionáveis.

Um aspecto sintomático desta falta de tratamento do assunto é o fato de passado quase um século continuar a não haver entre os poucos autores que abordaram a temática, sequer concordância na disputa entre a origem, genética ou adquirida, do comportamento fetichista. Por outro lado será de referir que a pesquisa em sexualidade não é obra fácil, a pesquisa em ambiente controlado como o laboratório nunca trará resultados realistas e a genética ainda é uma ciência nascente.

Em todo o caso, tudo parece indicar que a podolatria e outros fetichismos ligados aos membros inferiores vai entrando aos poucos, como acima se refere, no mundo social e nas correntes mais usuais da sexualidade (designada por 'baunilha' no mundo BDSM). A menos que se de algum profundo retrocesso sócio-cultural, porventura devido a repressão de origem política, cremos que os podólatras acabarão por se libertarem aos poucos das suas correntes, do mesmo modo que a comunidade gay e mais recentemente a comunidade BDSM. De facto, é importante referir que o BDSM, ate há bem pouco tempo (inicio dos anos 90) era considerado ainda pela Sociedade de Psicologia Americana no seu DSM III ("Diagnostic Statistic Manual", o manual de referencia primário no campo) como uma "desordem psicológica". A classificação tinha ares de profunda hipocrisia, porquanto as fantasias BDSM eram sancionadas como "aceitáveis", ao passo que a sua realização daria ao pobre amante direito a manicômio. Felizmente, os grupos de pressão BDSM, bem como as atividades de terapeutas bem mais abertos e inteligentes, levaram a que no DSM IV a comunidade BDSM seja já aceita de outro modo, exceto nos casos em que as fantasias colidem e perturbam a vida quotidiana. Mas acreditamos que a tendência da comunidade psicológica será no sentido da aceitação destas variantes sexuais.

O aparecimento da internet, bem como de periódicos dedicados a podolatria (e.g. a revista americana Leg Show), tem feito muito pela divulgação, auto-aceitação e liberação de inúmeros podólatras. Mas cremos que ainda é apenas uma fração da sociedade que tem acesso a tais meios. Quantos casos escondidos, quantas oportunidades perdidas, quanta vida desnecessariamente limitada. A editora da revista Leg Show, Diane Hanson, grande divulgadora da podolatria, refere (vd. Brame, Brame & Jacobs) mesmo receber quase semanalmente cartas de agradecimentos de leitores que contemplavam o suicidio e que passaram anos em terapia apenas por desejarem beijar um pé feminino e não ousarem confessa-lo, sequer aos próprios cônjuges. Tal eh a intensidade das forcas do conformismo sexual. Isso leva ao isolamento do individuo e a um ciclo que resulta muitas vezes na depressão. E ai esta também a justificação por detrás da fraca auto-estima que muitos podólatras e fetichistas têm sentido até bem recentemente. O puritanismo subjacente à cultura originária do ocidente, em especial dos EUA, que invade o mundo através da chamada globalização, não parece de molde a facilitar a liberação. E aqui reside uma tensão da qual conviria todo o podólatra ou fetichista estar consciente. Pois as mesmas forcas da globalização parecem ser muitas das vezes também as forças hipócritas do conformismo e da repressão puritanas. A sensação de renascimento e de liberação quando um podólatra confessa a sua preferencia e é aceito por quem o rodeia ou descobre a presença de outros com preferências similares é única. Seria ótimo que mais podólatras pudessem renascer deste modo.

Quando aprenderemos a aceitar o fetiche como uma dadiva, que permite ao fetichista aceder a formas de prazer que sao negados ao nao-fetichista? O ambiente é rico, os desejos são claros, o caminho está aberto... quem ousará dar o primeiro passo - científico - em direção aos pés?