Ao longo da história, a medicina procurou estabelecer quais comportamentos são considerados normais e quais não são, inclusive as práticas sexuais. Esses parâmetros médicos mudam através dos tempos, ou seja, tanto pode ocorrer que uma prática sexual que antes era considerada pela medicina como desviante da norma, seja hoje aceita como normal, como o que era visto como normal, passe a ser encarado como desviante.
Há um livro de 1886 - Psychopathia Sexualis, onde o autor Krafft-Ebing, médico e neurologista alemão, considerava como perversa toda ativação do instinto sexual que não correspondesse à voltada à reprodução e que haveria transtorno quando o comportamento sexual fosse excessivo e perigoso para o indivíduo, ou quando o impulso sexual se tornasse excessivo, exclusivo e causasse sofrimento. Essa idéia perdura até os dias atuais, com a diferença que a medicina não chama mais de perversão os comportamentos sexuais que fogem à norma (se considerarmos norma o ato sexual voltado à reprodução) e sim parafilia (DSM-IV, 1994) ou transtorno de preferência sexual (CID X, 1993).
Há um livro de 1886 - Psychopathia Sexualis, onde o autor Krafft-Ebing, médico e neurologista alemão, considerava como perversa toda ativação do instinto sexual que não correspondesse à voltada à reprodução e que haveria transtorno quando o comportamento sexual fosse excessivo e perigoso para o indivíduo, ou quando o impulso sexual se tornasse excessivo, exclusivo e causasse sofrimento. Essa idéia perdura até os dias atuais, com a diferença que a medicina não chama mais de perversão os comportamentos sexuais que fogem à norma (se considerarmos norma o ato sexual voltado à reprodução) e sim parafilia (DSM-IV, 1994) ou transtorno de preferência sexual (CID X, 1993).
Neste Artigo:
- Contextualização Histórica
- Perversão para Freud
- Alternativa de Tratamento
"Este artigo pretende ampliar a discussão a respeito do que pode ser considerado normal enquanto manifestação do comportamento sexual humano e o que é o patológico, ou seja, as perversões sexuais propriamente ditas. Para isso, será tomado um vértice psicanalítico na compreensão da temática".
Contextualização Histórica
Inicialmente, vale considerar que, até meados do século XIX, as teorias sexuais não eram temáticas muito abordadas em discussões científicas. Entretanto, no final daquele século, inúmeros autores começaram a formular estudos científicos sobre distúrbios de comportamento e perversões sexuais. Como bem descreveu Valas, atos considerados como "monstruosos" passaram a ser objetos de estudos científicos.
O mesmo autor citou que muitos cientistas passaram a estudar as características médico-biologicistas, a hereditariedade e a natureza dos fenômenos perversos.
Todavia, foi apenas com a teoria evolucionista sobre a sexualidade humana que a perversão passou a ser mais bem compreendida, vista como um fenômeno com causas psicológicas. Segundo a psicanalista Elisabeth Roudinesco, o termo perversão é derivado do Latim pervertere e designa as práticas sexuais consideradas desviantes da norma sexual e social.
Perversão para Freud
No ano de 1905, Sigmund Freud publicou os "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", artigo esse que revolucionou a compreensão dos fenômenos sexuais dos homens e que, evidentemente, abordou a temática das perversões sexuais. No primeiro ensaio do livro, Freud considerou os vários desvios existentes quanto ao objeto sexual e, também, quanto a finalidade sexual, descrevendo os processos psicológicos das chamadas "aberrações sexuais".
O que realmente foi esclarecido na obra freudiana, foi o aspecto de que um comportamento sexual pode ser considerado como perverso se caracterizar uma fixação absoluta no desenvolvimento sexual humano. Nas palavras de Valas (1990: 28): "... Só se pode distinguir a perversão da normalidade porque a perversão se caracteriza por uma fixação prevalente, até mesmo total, do desvio quanto ao objeto, e pela exclusividade da prática quanto ao desvio com relação ao objetivo".
Ao referir-se à pulsão sexual, Freud (1905), advertiu que esta é formada por inúmeros componentes, as "pulsões parciais", ligados a diferentes órgãos do corpo, as "zonas erógenas". Contudo, o psicanalista esclareceu que a disposição perversa é parte da constituição normal de todas as pessoas. Ainda na mesma obra, ele considerou que a sexualidade infantil apresenta uma tendência perverso-polimorfa que é auto-erótica, mas não pode ser entendida como uma perversão sexual propriamente dita.
A célebre frase de Freud: "a neurose é o negativo da perversão", também merece um comentário para maior esclarecimento. Embora existam muitos componentes parciais da pulsão sexual, como já foi apontado, eles não podem ser considerados como perversão da sexualidade. A tendência neurótica é a manutenção de alguns desses componentes, substituindo-se, assim, uma possível fixação em uma única prática sexual. Considerando-se esses fatores, pode-se dizer que as fantasias inconscientes dos neuróticos se assemelham às atitudes conscientes das pessoas perversas, ou sejam uma é o negativo da outra.
Na opinião do psicanalista Armando Colognese Júnior, professor do Departamento de Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae: "A perversão é um componente sexual infantil que não sofreu repressão e que não foi modificado pelos diques naturais, permanecendo, na vida adulta, como algo do infantil".
Ao comentar as perversões, em outro momento de seu artigo, o professor do Seminário sobre Perversões, afirmou (1996: 124): "Penso que podemos utilizar o achado clínico de Freud, como indicativo de que a perversão (pelo menos a sadomasoquista) possa ser utilizada como defesa, ou recurso defensivo, frente a situações bastantes conflitivas, como as edípicas".
Toda a discussão sobre as perversões sexuais, sua etiologia e componentes psíquicos, continua presente em toda a obra de Sigmund Freud. Contudo, no ano de 1924, Freud escreveu um artigo onde questiona-se sobre como alguém pode ter prazer através da dor, fato característico do masoquista. Para ele, há um sentimento de culpa inconsciente, nos masoquistas, como se o sujeito tivesse cometido um crime (edípico) e por essa razão devesse ser punido, ou seja, haveria uma "necessidade de castigo". O prazer nessa perversão sexual está em punir um desejo edípico.
Concluindo, Armando Colognese acrescentou, ao comentar as perversões sexuais nos dias de hoje, que a perversão deve ser "um modo de excitação de forma exclusiva", e salientou o mecanismo de defesa da "recusa da realidade", típico dos perversos.
Novamente, de acordo com as palavras de Roudinesco (1998: 586): "O aparecimento do termo parafilia no DSM III (Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais III), restringiu o campo das anomalias e desvios a práticas sexuais coercitivas e fetichistas, baseadas na ausência de qualquer parceiro humano livre e anuente". Convém destacar que o termo parafilia vem substituir a idéia de perversão sexual, na literatura médica-psiquiátrica, na década de 80.
De acordo com as idéias de Kaplan, Sadock e Grebb: "Parafilias são transtornos sexuais caracterizados por fantasias sexuais especializadas e intensas necessidades e práticas que, em geral, são de natureza repetitiva e angustiam a pessoa. A fantasia especial, com seus componentes conscientes e inconscientes, constitui o elemento patognomônico, sendo a excitação sexual e o orgasmo fenômenos associados".
Segundo o DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais - IV), as principais parafilias são: exibicionismo, fetichismo, frotteurismo, pedofilia, masoquismo sexual, voyeurismo, fetichismo transvéstico, zoofilia, e necrofilia. Não é a intenção deste artigo descrevê-las, ou mesmo, abordá-las separadamente. Mais uma vez, segundo o Compêndio de Psiquiatria, acima citado: "Entre os casos legalmente identificados de parafilias, a pedofilia é, de longe, a mais comum. Dez a 20% de todas as crianças já foram molestadas, ao atingirem dezoito anos".
Para a psiquiatra argentina Raquel Soifer, a incidência de "desvios da libido" (termo aplicado no lugar de perversões sexuais) é pequena, nas crianças. A ocorrência passa a aumentar a partir da puberdade. "Consideramos que, na infância e até na adolescência, não é adequado chamar estas condutas sexuais de perversões, porquanto esta designação implica a organização definida de tal estrutura psicopatológica, o que, por certo, não se aplica a uma personalidade em formação e suscetível de modificações evolutivas. Propomos, conseqüentemente, que sejam denominadas de desvios da libido".
A psiquiatra e psicanalista argentina, ao comentar sobre as fantasias presentes nas perversões dos adultos e nos desvios da libido, nas crianças, numa visão psicanalista dos fatos, explicou (1992: 371): "Dado que a fonte destas fantasias reside no complexo de Édipo - precoce ou tardio, positivo ou negativo -, as pulsões que as integram são, concomitantemente, narcisistas e incestuosas. As pulsões incestuosas põem intensidade na fantasia, enquanto que as pulsões narcisistas, que procuram igualar o objeto com o sujeito, outorgando-lhe rigidez".
Gabbard explica que uma ampla variedade de comportamentos sexuais foram sendo aceitos pelos casais dito "normais", com o passar dos anos, referindo-se às relações orogenitais e às anais. Para o autor (1998: 221), "um indivíduo é perverso apenas quando o ato erótico é utilizado para evitar um relacionamento emocionalmente íntimo a longo prazo com outra pessoa". O psiquiatra explicou, ainda, que não há razões claras e específicas para que um indivíduo dê preferência por uma fantasia ou um ato perverso em relação aos outros e, também, que vários atos perversos podem aparecer concomitantemente numa mesma pessoa. Numa abordagem psicodinâmica, qualquer pessoa envolvida numa atividade sexual tida como perversa, deve ser compreendida de maneira global, tomando-se por base, também, a sua estrutura de caráter. Assim, a compreensão de um ato sexual perverso pode apresentar diferenças de um neurótico para um psicótico ou esquizofrênico.
Alternativa de Tratamento
Para Kaplan, Sadock e Grebb (1997 : 640): "A psicoterapia permite que o indivíduo recupere sua auto-estima e melhore suas habilidades interpessoais, encontrando métodos aceitáveis de gratificação sexual". Para os autores, os pacientes têm a oportunidade de compreenderem melhor a sua dinâmica e os motivos que despertaram as parafilias.
Em relação ao tratamento de pacientes com parafilias, para Gabbard (1998: 227): "Os pacientes com parafilias são notoriamente difíceis de tratar". O psiquiatra questiona o motivo de alguém querer parar uma atividade sexual que gera prazer. "A maior parte das perversões é ego-sintônica; apenas alguns pacientes que sofrem com seus sintomas buscam tratamento por vontade própria", salientou.
Para Gabbard, a maioria dos parafílicos vai para o tratamento sobre pressão, não de forma espontânea. Para o autor, "apesar de todas as dificuldades no tratamento das parafilias, as abordagens psicodinâmicas são geralmente consideradas um componente importante de qualquer tratamento".
Em relação às medicações, o psiquiatra concorda que elas são uma forma de terapêutica bastante difundida. Entretanto, apresentam muitas desvantagens, como os "sérios efeitos colaterais, a não aceitação do tratamento, pelos pacientes e, ainda, a diminuição do instinto sexual em algumas pessoas, devido à 'redução dos níveis plasmáticos de testosterona'".
Segundo o médico (1998: 227): "Entretanto, a psicoterapia de orientação dinâmica associada a medicações antiandrógenas pode aumentar a aceitação da medicação e diminuir a taxa de abandono" (do tratamento). O autor apontou para um consenso de que os tratamentos isolados são ineficientes e para a necessidade de adaptação da terapêutica para cada paciente.
Consideradas todas essas opiniões, parece não restar dúvidas sobre a necessidade de uma abordagem psicoterápica, seja ela em que abordagem for, para o tratamento das chamadas perversões sexuais. Ressaltamos, porém, a boa indicação dos recursos da clínica psicanalítica para compreensão da dinâmica psicológica envolvida (fantasias inconscientes) na formação e na manutenção dos sintomas de atividades sexuais de caráter exclusivo, tidas como perversas.
Referências Bibliográficas
1- VALAS, P. Freud e a perversão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
2- ROUDINESCO, E. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
3- COLOGNESE, A. O conceito de sadismo e masoquismo na obra de Freud. Boletim Formação em Psicanálise - Ano V, Volume V - n.º 1 - 1996.
4- FREUD, S. O problema econômico do masoquismo. Rio de janeiro: Imago. Vol. XIX - Obras Completas, 1976.
5- KAPLAN, H; SADOCK, B; GREBB, J. Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
6- SOIFER, R. Psiquiatria Infantil Operativa - 3ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
7- GABBARD, G. Psiquiatria Psicodinâmica - 2ª Edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
8- FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria sexual. Rio de janeiro: Imago. Vol. VI - Obras Completas, 1976.
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