1º publicação |
Nos importantes centros que formaram a opinião pública da Europa em 1930, o direito de milhões de pessoas à felicidade terrena não foi encarado como evidente por si mesmo. Nem sua falta foi encarada como digna de discussão (Reich, 1991).
A sexualidade humana há milhares de anos vive na obscuridade: uma vida falsa e ulcerosa. O assassinato de origem sexual, os abortos criminosos, a agonia sexual dos adolescentes, a destruição dos impulsos vitais das crianças, a pornografia, a exploração dos anseios humanos por amor por uma vulgar industria consumista. A avaliação social e moral da sexualidade humana estava nas mãos de homens e mulheres sexualmente frustrados.
Qual a origem da repressão sexual? Biológica, como afirmada por seguidores de Freud? Malinowski respondeu a esta questão ao apresentar seu trabalho sobre a vida sexual dos "selvagens" da ilha de Trobriand, provando ser a repressão sexual de origem social e não biológica. Os habitantes da ilha viviam em uma sociedade matriarcal, as crianças desconheciam a repressão sexual, desenvolvendo-se naturalmente. Sua sociedade ignorava as perversões sexuais. O casamento monogâmico voluntário não-compulsivo, que pode ser dissolvido a qualquer hora, prevalece como forma social de vida sexual. Em uma oura ilha próxima, uma tribo vivia um sistema patriarcal e possuía todas as características das neuroses européias.
A repressão sexual é de origem econômico-social e não biológica. Sua função é fundamentar uma cultura patriarcal e autoritária para a escravidão econômica. Esta era patriarcal tentou manter sob controle os impulsos anti-sociais por meio de proibições morais compulsivas, desenvolvendo, assim, uma estrutura psíquica que pode ser dividia em três extratos:
- Superficial: usando uma máscara de autocontrole e polidez compulsiva.
- Inconsciente freudiano: no qual o sadismo, avareza, sensualidade, inveja, perversões de toda sorte são mantidas sob controle, manifestando-se como um "vazio interior";
- Profundidade: onde existem e agem a sociabilidade e a sexualidade naturais, a alegria espontânea no trabalho e a capacidade para o amor.
O extrato de profundidade estaria em total desacordo com os aspectos da educação e do "controle autoritário".
Após a Primeira Guerra Mundial, que havia aniquilado muitas famílias patriarcais e autoritárias, a comunidade européia "lutava pela liberdade", mas cometeu um grande erro ao não reconhecer o defeito universal da neurose de caráter. Na monstruosa traição às massas por governos autoritários que alegavam representar o interesse do povo, na ingenuidade de milhares de jovens que acreditavam servir a uma idéia, o fascismo floresceu sobre o desamparo dos cidadãos do mundo. Com o fascismo, tornou-se patente a neurose da massa. O fascismo alemão deixou claro que não operava com a "inteligência" do povo, e sim, com suas reações emocionais infantis.
As massas queriam "liberdade", Hitler prometeu-lhes autoridade, liderança ditatorial. Queriam liberdade, mas tinham medo da responsabilidade sobre esta liberdade; encontraram, então, no Führer, o homem que a assumiria por elas.
Reich afirma que o "fascismo é meramente a extrema conseqüência reacionária de todas as anteriores formas não democráticas de liderança dentro da estrutura do mecanismo social". Foi o anseio pela liberdade e o medo dela que tornou possível o fascismo.
Foi assim que Hitler subiu ao poder. Ele prometia separar o conceito de sexualidade e o conceito de procriação. Chamava de "procriação eugênica superior" a "felicidade no amor". A teoria de raça é apenas uma extensão das convenientes teorias da hereditariedade. Em outras palavras, a "pureza do sangue alemão" era a justificativa para se livrar da sífilis e da "contaminação judia". Adolescentes podiam agora entregar-se a relações sexuais se alegassem que estavam procriando filhos no interesse do aperfeiçoamento racial.
Quando um fascista diz "judeu", quer dizer "capitalista", "ganhador de dinheiro", e mais profundamente o conceito pode significar "sujo", "bestial", "sensual", "castrador", "assassino".
Reich afirma que o "anseio inconsciente do prazer sexual na vida e da pureza sexual, unido ao medo da sexualidade natural e ao horror da sexualidade perversa, produz o fascismo e o sádico anti-semitismo".
Esses fatores permitiriam que o "psicopata sexual" pervertido e criminoso Julius Streicher pusesse seu "Der Stürmer" nas mãos de milhares de jovens e adultos alemães. Os exemplos a seguir foram publicados em edições de 1934:
"Um dia, o velho judeu lançou-se sobre a desprevenida garota não-judia no sótão, violou-a e insultou-a ..."
"... Ele tentou fechar a janela para impedir que os vizinhos olhassem para dentro. Então tocou novamente a mulher de modo vil, de um modo tipicamente judeu... Ele até ria de suas tentativas de gritar por socorro.... Verbalmente, agredi-a com palavras mais vis e mais obscenas. E então lançou-se como um tigre sobre o corpo da mulher e completou seu trabalho diabólico".
Segundo Reich, Stürmer confirmou efetivamente um milhão de vezes a angústia de castração genital, excitando e nutrindo fantasias perversas na população alemã e noutras populações que o leram. Quando questionado sobre essas publicações, Reich fez um sumário curto com as medidas necessárias para combater essa situação:
- Era preciso primeiro explicar as diferenças entre sexualidade doente e sã.
- Denunciar e reunir material de caráter pornográfico do streicherismo a qualquer pessoa de bom senso.
- Reunir e publicar todo material que mostrasse à população que Streicher e seus cúmplices eram psicopatas e criminosos.
- Expor o segredo da influência de Streicher sobre as massas: ele provocava fantasias patológicas.
- A sexualidade patológica que constituía o campo da teoria racial de Hitler e dos crimes de Streicher pode ser combatida mais eficazmente mostrando-se ao povo os processos e modos sadios do comportamento na vida sexual.
Reich afirma que o povo compreenderia a diferença proporcionada por uma sexualidade sadia e satisfatória, que envolve, entre outros fatores, a possibilidade de privacidade com o companheiro amado; que a satisfação sexual não é o mesmo que procriação; que é necessário instalar um numero suficiente de clinicas para tratar de perturbações sexuais; que uma educação sexual afirmativa e racional é imprescindível; que a abstinência sexual prolongada é nociva e só a satisfação livre do sentimento de culpa é benéfica. Em resumo, é preciso lutar pelos direitos de exercer uma sexualidade natural das massas populares.
Bibliografia
Reich, Wilhelm. A função do orgasmo - Problemas econômico-sexuais da energia biológica. São Paulo: Círculo do Livro, 1991.
_____________ Psicologia de Massa do Fascismo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
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